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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Maria sem braço


Quem não conhecia Maria sem braço? Era a mais conhecida do bairro,e todos se perguntavam como ela podia fazer tantos doces e tão gostosos? Ela vendia no canto da rua principal da cidade, perto do bosque onde, vez ou outra, deixava o olhar perder-se como se buscasse imagens do passado. Ninguém sabe de onde ela veio, simplesmente apareceu ali um dia com um menino, seu filho, a quem ela quase venerava, coitada. Alugou um casebre e começou a fazer doces, no começo, como todo inicio é sempre difícil, e pra ela mais ainda, ninguém dava muita atenção, talvez até pelo preconceito, como somos preconceituosos! E ela com um só braço! Aos poucos Maria sem braço foi formando a freguesia, tanto pelo sabor de seus doces como pela maneira simpática de tratar os fregueses. Era de uma alegria impar, uma alegria que lhe deixava completa. Um sorriso aberto e franco, sempre prestativa, diferente de seu filho, mal humorado e sempre a resmungar, principalmente na hora de levar os apetrechos para casa depois das vendas acabarem.

- Chiquinho...
- Meu nome é Francisco, já lhe disse, quer que repita quantas vezes? Não me
chame de Chiquinho. Detesto.
- Tá bem, filho, desculpa. Só queria dizer que você deve mudar um pouco,
tratar melhor as pessoas, elas...
- Elas não têm nada comigo, nem com minha vida, tá bem? E que tal você
ir esquentar o jantar? Estou como fome.
- Está bem, vou fazer isso - e ia calada para a cozinha.

Quase todas as noites na volta do trabalho brigavam, aliás, brigavam, não, o filho é que era assim, "grosso", e a mãe, sempre calma, atenta ao que  o filho queria, talvez até solícita demais. A vida de Maria sem braço era isso, trabalhar e criar o filho, que até já estava bem grandinho, chegou com pouca idade e já tinha, mais ou menos, seus doze anos.

- Ô mãe, engoma aquela minha camisa branca, que vai ter uma festa no colégio
e quero ir com ela. A festa é hoje a noite, a senhora nem vai poder ir, vai vender
os doces né?

Era uma maneira de dizer: Não vá. Todos sabiam que ele tinha, digamos, certas reservas em apresentar a mãe ou mesmo sair com ela, na verdade era vergonha mesmo, ela sabia, chorava sozinha mas sempre mãe, sempre solícita ao filho. O tempo vai passando, a vida continuando a mesma. Agora o Chiquinho, 
Francisco como prefere ser chamado, terminou o segundo grau, vai ingressar na Universidade. Tem uma namorada e continua escondendo a mãe , faz de tudo para que namorada e mãe não se encontrem, embora  Nayane, o nome dela, goste muito de Maria e se encontrem as escondidas, são amigas. Anos difíceis os anos da Universidade. Maria sem braço, há muito não contava mais com a ajuda do filho para trazer pra casa seus apetrechos da venda de doces, raras vezes recebia ajuda de amigos, pedia apenas que a ajudassem a colocar tudo na cabeça e lá ia ela, coitada. Francisco fazia engenharia numa Universidade Pública, mas sempre com a ajuda financeira da mãe, embora desse aula em algumas escolas particulares.

-Francisco você vai se formar já esse ano. Como o tempo passa de pressa. O que
você vai fazer, meu filho?
-Vou sair daqui, já tenho propostas e não quero ficar conhecido como o filho de
Maria sem braço.
Maria engoliu em seco, segurou a lágrima nos olhos, esperou os lábios pararem de
 tremer e disse:
-É filho, você tem razão. Deve procurar um centro mais adiantado onde você tenha
melhores oportunidades...e Nayane? Ela vai com você?
-Vai. Vou casar com ela lá pra onde eu vou. Não quero casar aqui. Não me sentiria
bem.

Levantou-se bruscamente da mesa e saiu. Maria sem braço entendeu o recado. Não iria ao casamento e muito menos morar com o filho. Francisco se formou, foi morar em outro estado, casou. E Maria sem braço ficou só. Recebia uma aposentadoria miserável da seguridade social, não trabalhava mais com venda de doces, o que havia lhe sobrado do braço doía muito. Já se sentia fraca. Não tinha noticias do filho, nem tinha telefone. Somando tudo ao desprezo que o filho lhe dera Maria ficou mal, era cuidada pelos vizinhos.

-Querida não sei o que faria sem você e sem os amigos. Meu filho (soluços) me abandonou.
-Maria,fica sossegada, o que depender de nós, você sabe.
-Eu sei filha, mas não queria incomodar tanto. Pega essa bolsa ali. Olha, aqui estão todos os
meu documentos. Tenho uma irmã, esse é o telefone dela, se alguma coisa acontecer comigo,
gostaria que ela viesse.
-Maria, o que é isso, tá se gorando, é? Você ainda vai viver muito, mulher.

Mas não foi o que aconteceu, daí a uns dias, Maria. Maria sem braço faleceu. Mandaram chamar a irmã, o filho. Foi um velório muito concorrido, como Maria era querida e admirada! Tia e sobrinho foram apresentados, e a tia pergunta:

-Maria lhe contou como ela perdeu o braço?
-Não.
-E você nunca perguntou?
-Pra que? Ela nunca contou. E essa conversa está ficando chata. tenho mais o que fazer e ainda
vou ver quanto vai custar esse funeral.
-Pra você não vai custar nada - disse a tia - ela em vida tratou de tudo. Francisco sabe por que
ela veio pra cá? Sabe por que ela fugiu de mim e nunca me procurou?
Não. Não sei, mas parece que você quer contar, não, é? Então conta.
-Você nunca foi um bom filho...
-Ih! vai começar acusando, é?
-Não é acusação é constatação. Você parece com seu pai que largou Maria grávida de você
com sete meses. Nunca deu noticias.Um dia Maria vinha do hospital, você estava doente,
quando um motorista bêbado bateu em vocês, você caiu para debaixo do pneu do carro, Maria
então puxou você mas não deu tempo de puxar todo o braço, que ficou esmagado sob o pneu.
Foi assim que ela perdeu o braço, para salvar você.
- Bem... e o que interessa isso agora?
- Pra você nada! Mas... você terá seus filhos, você terá seus filhos.


José João
19/07/2.013









2 comentários:

  1. Um conto repleto de verdades... Quantos filhos e filhas tem vergonha de seus pais, por algum motivo. Uma criatura que age assim apanha muito da vida. Parabéns João!

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  2. Um belo e triste conto, infelizmente isso acontece na vida real, coitado daquele que não sente gratidão aos pais , estamos vivos aqui graças a eles. E o filho que não cultivar esta gratidão jamais enriqueceram espiritualmente e materialmente.
    Parabéns pelo conto José João!
    Abraços
    Clarice Moreno

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