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sábado, 28 de setembro de 2013

Sou AFRO sim... e daí?

 É bem provável que um dia tenha sido escravo, mais um negro que de sua terra só tinha a imagem desbotada do por-do-sol, do sorriso do filho que deixou e da mulher em lágrimas, fugindo para o mato como animal arredio a tremer-se de medo. É bem provável que um dia tenha sido escravo, daqueles que mal viviam os trinta anos, e que hoje dizem, seriam a imagem personificada da preguiça. Talvez tenha sido aquele negro do pelourinho com a costa sangrada pelo chicote, pernas flácidas pela falta de força, carregado para senzala pelos irmãos e banhado com com água de sal, que fazia até a alma gritar, mal dizer a vida, gritar blasfêmias e até duvidar da existência de um Deus.
Talvez tenha sido aquele negro trazido a ferros num navio fétido, onde os dejetos, de nós também humanos, se misturavam com suor e lágrimas, com dor e revolta, com saudade e medo. Pulsos e tornozelos em carne viva, feridas causadas pelos ferros que faziam doer e a carne apodrecer-se e, se gemido houvesse, o estalar do chicote fazia coro com o ranger das tábuas da nau que pareciam chorar em silenciosos soluços recusando-se a fazer-se dor. Ainda assim, talvez tenha sido um sobrevivente, que não foi, ainda na agonia da morte, atirado ao mar. 
Quem sabe fui um daqueles negros que, ainda criança no navio negreiro, sugava avidamente o seio da mãe quase morta, um peito flácido, seco, sem forma, onde o sangue e o pus das cruéis feridas que lhes tiravam lentamente a vida e eu sugava como se leite fosse? Sobrevivi. Talvez tenha sido irmão, pai ou até mesmo filho daquela negra que aos gritos, era estuprada por aqueles miseráveis que depois de saciados, e ela sangrando,  a atiraram ao mar, viva, para  que o sangue não escorresse e o lastro ficasse fétido. 
Quem sabe foi meu sangue a pintar de vermelho o chicote do capataz? Quem sabe fui aquele negro que em silêncio chorava a dor da saudade de uma terra distante onde o sol era mais quente, onde a palavra era diferente mas com ela se dizia: Te amo. Agora só recordações, lamentos, lágrimas, dor, vergonha e a certeza triste de nunca mais voltar.
Hoje sou eu, agora, aqui, ainda negro, mas dito afro descendente. Hoje tenho o direito de falar, gritar, buscar meus sonhos, mas ainda sou aquele que dizem, "sem preconceito": Um negro de alma branca. Ainda sou aquele de quem riem quando falo meus direitos, sou aquele se afastam quando estou no elevador, sou aquele que nas filas me olham com medo e fazem de suas bolsas apêndice de seus corpos. Sou aquele que para os "cargos mais importantes não tem qualificação", e entre funções iguais tem o menor salário. Hoje sou aquele que ouve, quando dizem com demagogia, que neste país não tem racismo, mas também sou aquele que orgulhosamente sabe que foi o sangue de seus ancestrais que regou esta terra, que foram aqueles braços, mãos grossas e cheias de calos que cavou o chão para o plantio. Hoje, sou aquele que sabe quanto foram cruéis aqueles que escreveram uma história tão mentirosa. Agora me dizem afro brasileiro, talvez até eu seja vaidosamente mais AFRO. Alguém quer dizer alguma coisa?


José João
27/09/2.013



6 comentários:

  1. Olá!
    Meus respeitos,
    Estou sem ação para comentar,porque esse texto é de uma preciosidade sem par.
    Quem sabe eu também tenha sido aquela negra e guerreira,que briguei pelos meus direitos,da minha religião,da minha cultura(do povo Yorubá),minha etnia,minha Pátria que ficou para trás.
    Mas...enfim,cheguei aqui através da minha amiga Nádia Santos,lá no Facebook,já estou a te seguir,amei,adorei e me encantei.Te convido a conhecer o meu cantinho,espero que goste.
    Tenha um maravilhoso fim de semana com muita luz e paz.
    Felicidades.
    http://www.celiamariadesousarrudajacobino.com

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  2. Sou afro sim e apesar de minha pele clara que chamam de parda eu sou afrodescendente com orgulho,agora afro brasileira já não com tanto orgulho,que o Brasil e um pais que se dizem negros com orgulhos somente os que querem entra nas cotas.Muda Br
    asil

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  3. Amigo e irmão,
    Johnn(vou chama-lo assim)se me permite.
    Agradeço do fundo do meu coração a tua reciprocidade,resolvi vir para a net,após horas na cozinha,vim dar uma olhadinha no meu blog e no Face,encontro o teu comentário.Fico muito feliz por esse carinho,ganhei mais um amigo e irmão.
    Johnn,gostaria de te pedir a permissão para personalizar a imagem à cima,me da um ok,ou não.
    Fica na paz.
    Bjos.

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  4. Voltei para corrigir o meu erro e falta de atenção.
    Sei que és meu seguidor a muito tempo,no teu outro blog de poesias.
    Mas mesmo assim,esse blog,para mim é novo.
    Desculpe-me,bjos.

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